top of page

Furta-Cor: Capítulo 1



Siim, gente!


É com muita alegria que apresento para vocês o primeiro capítulo do meu novo livro: Furta-Cor.


Quis deixar aqui esse pequeno gostinho de como é essa narrativa, que escrevi com muito carinho, conectividade, amor e pesquisa. Essa história que inicia uma série e que finalmente poderá sair para o mundo e ser lida e conhecida por vocês.


Aproveitem! :)


Lembrando que, o lançamento do livro será no dia 10/06.


...


Capítulo 1



Hoje acordei de volta em meio ao  caos. Não da falação da moça que está com problemas e manda áudios intermináveis pelo telefone no primeiro ônibus, ou do movimento às 6h20 no terminal.

     O caos interno, de pensamentos de quem não soube acordar direito, pois anda desolada. Presa na rotina trabalhista, vivendo em ciclos repetidos. Como se Ada fosse apenas uma lembrança dentro da infinidade de horas. Penso nas escolhas que parece que não tenho, pois quando se perde alguém, se deve voltar ao trabalho. Seguir os cursos da vida.

E se não pudesse? Como seria? Como retornar para o capital que não para, não sente? Pois há a exigência do contrato e da realidade de que sem ganho, não posso nada.

Queria pedir desculpas, mas me recuso. Para quem está acordado a essa hora e consegue ler essas reflexões, talvez esteja tão cansado como eu. Quem sabe, triste.

Vi uma carícia entre duas jovens de 16 ou 17 anos, sentadas entre um grupo de estudantes, nos bancos do terminal. Relembrei que a adolescência delas é diferente, mais líquida e grudada, cada vez mais, à tela. Cheia de cultura que peguei na vida adulta e não suporto. Fico pensando: como elas se sentem com tanta tecnologia?

O momento foi fofo. As duas de cabelos cacheados e longos. Brancas, claro. É difícil ver esse apego… digo, no que vejo andando pela estação, é difícil ver duas jovens negras tendo acessos de afeto. Devo ter visto uma ou outra vez, e só. No máximo entre adultas, duas mulheres que vão trabalhar juntas. E conversam, fofocam. Mais velhas, mais experientes, mais vividas na vida estrutural. As mais jovens, eu pouco vejo.

Estou passando em frente à igreja verde, vitrais amarelados, longos e arredondados. Daqui vejo grande parte da cidade de Acácias, na serra goiana. O sol ainda borrado de laranja, passando sua luz pelas janelas da paróquia. Paramos ao sinal. O segundo ônibus lotado. Nem consegui sentar. Carrego minha mochila de trabalho pesada, cheia de cadernos e marmita, e a bolsa com equipamento fotográfico. Mais reflexiva sobre a perda do que gostaria. Já vi essas paisagens mil vezes. Essa monotonia ajuda, mas sem...

Tem alguém falando alto, conversando.

Dias assim, como hoje, ponho meu fone e deixo as músicas criarem alguma imaginação. Tentando disfarçar o ruído externo e as emoções que ainda não cicatrizaram, mesmo após seis meses da minha noiva ter morrido.

O homem continua tagarelando forte, contando alguma história do serviço. Abriu o sinal e, quando notei, entrou mais cinco pessoas no coletivo, em um ponto. Um empurra e se aloja na sardinha. Outro sinal. A conversa dele ainda afiada e a música passou-se dessa para outra. Outro ponto. Entraram mais seis, saíram dois. Tá complicado respirar aqui dentro!

Está realmente sem espaços para andar.

Estou ficando tonta de novo.

Cotovelos me apertando, bolsas batendo nas costas...

Minha câmera sendo esmagada por cochas anônimas.

A mochila sendo apertada, empurrada no meu peito.

         Os prédios estão passando... velozes, caindo.

         Não!

         Apertei os olhos.

         Preciso segurar

         Minhas mãos.

É tão difícil olhar o mundo e ver ... Preciso começar a cantar para afastar essa energia.

A minha energia temporal.

Tempo...

Segurei tão forte o corrimão. Já estava perto da saída detrás. Como andei com a visão tampada?

Ainda tenho que deixar os olhos assim, cobertos. Se eu abrir, as pessoas verão que a cor preta deles agora é branca. Como se a bola do olhar fosse apagada. Nunca existisse.

Alguém apertou o ponto. Preciso... ah! A sensação deve passar, mas não entendo por que agora. O que há de errado para que eu veja as linhas do tempo? Que loucura!

Talvez meu simples desejo, aquele aguçar que coça dentro do cérebro. Aquele que quer viver fora dos momentos tortuosos, exaustivos, tristes. Fazer parte dessa vida sem ela, sem Ada. Mas assim, como poderia ter as experiências? O certo e o errado?

Desci por instinto numa calçada. Respirei fundo e comecei a contar números para me acalmar.

— Um.

         — Dois.

         — Três.

         — Quatro...

         Abri os olhos. Que linda visão!

Uma escuridão e finas ondulações brilhando como vagalumes coloridos cheios de energia cósmica. Eram as linhas temporais. A sensação de cada rotação de tempo fluindo no meu corpo.

— A senhorita precisa de ajuda? — uma voz rouca e delicada soou, tocando meu braço.

— Desculpe?

— Você está esperando alguém voltar?

— Esperando alguém? — virei em direção ao seu rosto. A mulher parecia encarar, curiosa. Lembrei o que seria.

— Entendi. — fechei as pálpebras e as reabri com meu olhar comum, após ver a senhora se assustar com a cena. — É um truque. Desculpe!

 

Me afastei, ainda ressoando essa e aquela outra realidade espaço-temporal. Como poderia chamá-la? Se enxergo duas ao mesmo tempo? Se ambas são reais e conectadas? Uma cai, a outra sucumbe.

— Louca! — ouvi a senhora gritar, antes de atravessar a rua.

Comecei a rir internamente.

O prédio do estúdio onde trabalho já estava de cara com a minha cara na porta de vidro. Esperei um pouco, pois notei a silhueta de Marcus, meu colega e amigo, subindo as escadas pelo reflexo.

— Bom dia, Aurora! — disse Marcus, atrás de mim.

— Admire sua melanina, bebê! — apontei para nossa imagem límpida.

— Está animada demais para às oito da matina. — Começou a sorrir. — Obrigado mesmo assim. O que te mordeu para estar tão bem assim? Está raro, viu.

Já estávamos passando a recepção, indo para o segundo andar.

— Percebendo algumas coisas em meio ao caos. — respondi, depois de um período.

— Que coisas?

— As conexões que perco por pensar demais.


 

 

35 visualizações

Posts recentes

Ver tudo

4 Comments


O primeiro capítulo de "Furta-Cor" cativa com sua narrativa emotiva e reflexiva. Estou ansioso para ler o livro completo! Parabéns pelo lançamento! 🌺

Like
Replying to

Obrigadaa Alexandre! Fico muito feliz que a história tenha te tocado. ❤️

Like

Guest
Jun 06

Já me emocionei neste 1° capitulo! Que mulher linda , da alma boa você se tornou. Gratidão a Deus por ter uma filha como você! Tanta dedicação, amor e comprometimento em tudo que faz. Não vejo a hora de comprar seu livro! Te amo filha ! Deus abençoe e ilumine sua vida!


Like
Replying to

Muito obrigadaa mãe! Pelas palavras, pelo apoio e carinho! 😃❤️

Like
©
bottom of page